Dizem que homem que é homem não chora. Com sangue de nordestino, então, menos ainda. Confesso que choro muito pouco. Tão pouco que às vezes temo que as pessoas me achem insensível. Ontem, ao assistir o filme “A Paixão de Cristo” aconteceu de novo. No meio do filme percebi que havia gente chorando – e eu lá, com minha noiva, ambos sem derramar uma lágrima. Acho que estou muito insensível, pensei a princípio. Depois, raciocinando um pouco, comecei a descobrir as razões daquela “insensibilidade”.
Creio que não me emocionei porque não vi Jesus. Ele não estava lá. No seu lugar havia um homem que não conheço, tentando interpretar um papel impossível – o de homem-Deus.
O homem que vi na tela era bem diferente do Senhor a quem servimos há tanto tempo. Não tinha a glória de que João falou (Jo 1.14), não tinha a autoridade e a coragem conhecidas por nós (Mt 26.53, Lc 23.28-31, Jo 18.6), pelo contrário, parece que precisava constantemente da ajuda de sua mãe. Não era o Cristo vencedor dos Evangelhos, mas um coitado, do qual as pessoas saem do cinema com pena.
Também não me emocionei porque a história não era a que eu conhecia. Nunca li na Bíblia sobre Satanás tentando a Jesus no Getsêmani, nem sobre Jesus esmagando a cabeça da serpente, de modo literal. Também não vejo nas Escrituras detalhes sobre a sua época na carpintaria, nem o registro de que ele tenha sido o inventor da mesa como a temos hoje.
Na Bíblia, não vejo Cristo na cruz sussurando, mas gritando (Mt 27.46,50, Mc 15.34,37, Lc 23.46); não leio que Pedro estava numa multidão quando negou a Jesus, mas assentado aquentando-se (Mt 26.69, Mc 14.54,66,67; Lc 22.55, Jo 18.18,25). Não vejo os soldados quebrando as pernas dos dois malfeitores, por causa do terremoto, mas, a pedido dos judeus, por causa do sábado (Jo 19.31). Também não vejo registros de demônios, em forma de crianças, perseguindo Judas, levando-o ao suicídio (Mt 26.5).
Não me emocionei também porque, como em toda produção romanista, Maria é supervalorizada. Nas Sagradas Escrituras, nossa irmã Maria nunca é chamada de Mãe pelos discípulos. No filme ela não só é chamada assim, como, numa cena, tem Pedro ajoelhado aos seus pés, recusando-se ser tocado por ela, por ter negado a Jesus.
No relato bíblico, não vemos Maria acompanhando Jesus no caminho da cruz, ajudando-o quando ele cai, nem limpando cuidadosamente o sangue do Filho, deixado no chão após os açoites. Na história verdadeira, não é Maria quem retira Cristo da cruz. É José de Arimatéia (Mt 27.57-60; Mc 15.45,46; Lc 50-53, Jo 19.38). Na Bíblia, Maria não é a senhora protetora, é apenas serva (Lc 1.46-49).
Por tudo isso, não chorei e, sinceramente, não me arrependo. Me arrependo sim de, por vezes, ler a história verdadeira a respeito da morte e ressurreição do meu Salvador Jesus e não me comover. Me arrependo de, por vezes, pregar sobre a sua tão grande salvação sem a emoção própria da mensagem (Lc 10.20). Me arrependo de, não poucas vezes, encontrar-me querendo ver quando já sei que felizes não são os que vêem, mas os que não vêem e crêem (Jo 20.29, 1Pe 1.8).
Rev. Ageu Magalhães